Associado Marcelo Balzer Correia completou seu milésimo júri

Promotor de Justiça recebeu homenagem da APMP
25 de novembro de 2016 >

Nesta quinta-feira, 24 de novembro, o promotor de Justiça Marcelo Balzer Correia completou seu milésimo júri. Há 21 anos no Ministério Público do Paraná, o associado já passou pelas comarcas de Loanda (Nova Londrina e Santa Isabel do Ivaí), Palotina, Cidade Gaúcha, Medianeira, Guarapuava, Cascavel e atualmente atua em Curitiba.

Como forma de homenageá-lo pela marca atingida, o presidente da APMP, Cláudio Franco Felix, foi ao Tribunal do Júri na tarde desta quinta-feira (24) e presenteou o associado com uma placa de reconhecimento pela realização de seu milésimo júri e por sua intensa dedicação, comprometimento e valorosa atuação em defesa da vida. A entrega da homenagem foi prestigiada por diversos associados que possuem vinculação com a atuação no Tribunal do Júri, entre eles Paulo Sergio Markowicz de Lima, que na oportunidade também representava o procurador-geral de Justiça, Ivonei Sfoggia, Ana Vanessa Fernandes Bezerra, Marcela Marinho Rodrigues, Ticiane Louise Santana Pereira, Edilberto de Campos Trovão, Lucas Cavini Leonardi, além dos magistrados Antonio Sergio Bernardinetti David Hernandes e Thiago Flores Carvalho e do Defensor Público Rodolpho Mussel de Macedo. O magistrado Sergio Bernardinetti fez uso da palavra para enaltecer a atuação do associado Marcelo Balzer, destacando sua competência no exercício das funções.

Clique aqui e confira as fotos. 


A APMP preparou uma entrevista especial com o promotor de Justiça.

Confira:

APMP: Quais os desafios de participar de um julgamento no Tribunal do Júri?

Marcelo Balzer: Quem assiste um julgamento no Tribunal do Júri, jamais poderá avaliar a dificuldade que é se preparar para a empreitada que se apresenta.

Horas e horas de estudo, não só do processo, mas da doutrina, da jurisprudência, dos personagens do processo, do local do crime, das lesões, etc. A dedicação e esforço, faz com que o profissional do júri, ingresse naquilo que Evandro Lins e Silva denominou de Estado de Júri”. Uma espécie de transe, cujo mantra são os fatos e a tese que pretende discutir em plenário, discutidos internamente entre a alma do homem e do profissional que atuará em plenário, dirimindo inicialmente o conflito interno entre a razão e a emoção, em um processo íntimo de persuasão.

Uma vez desfeito esse conflito interno, e seguro da tese que será apresentada, cabe então se preparar fisicamente para o julgamento, uma vez que alguns deles, não raras vezes, duraram dias consecutivos.

Apresentar-se de forma serena e tranquila, mesmo diante das adversidades impostas na causa: parte contrária, réu, vítima, testemunhas, assistência do plenário, imprensa, Juiz Presidente, Jurados.

Finalmente ingressar na sala secreta, conter a tensão durante a tomada dos veredictos e superar a vaidade diante do resultado, pois a mais difícil vitória não é aquela feita contra alguém e sim contra você mesmo: ”ganhar” sem “receber” e “superar-se” em silêncio.

APMP: Como é alcançar a marca de 1000 júris?

Marcelo Balzer: O que marca a marcha da vida? Fatos, datas, dados do cotidiano, emoções, estados de alma, vitórias e quedas. Hoje é um desses dias da vida e é com júbilo e inegável orgulho do passado que dou vazão a esse sentimento de conquista, e que o divido esse triunfo com todos quantos dele fizeram parte. Minha esposa e colega que soube compreender a distância e minha ausência em prol da nossa Instituição. Aos meus filhos que mesmo sem ter assistindo a nenhum julgamento, tiveram horas de nosso convívio subtraídas por julgamentos intermináveis. A minha assessora, fiel escudeira que há mais de 10 anos me auxilia com enorme paciência e dedicação ímpar. Aos meus colegas de Instituição que dividiram comigo as angústias e alegrias. Aos magistrados que presidiram os julgamentos, dos quais a todos os guardo com imenso carinho e admiração. Aos advogados, a quem devo o melhor do meu adestramento. Aos funcionários do fórum, sem os quais essa marca seria inalcançável.

Estou certo de que, se Carlos Drummond de Andrade tivesse percorrido as trilhas que percorri em minhas atribuições institucionais, ele não teria posto em seu poema “No meio do caminho”, apenas uma pedra: teria espalhado na composição poética montes de pedras, que lhe deixariam os pés sangrando. No entanto, caminhamos até aqui com coragem, enfrentando os riscos sem motivação egoística, mas com altruísmo, desinteresse e desprendimento, pois a coragem, que é força da alma, é a condição de qualquer virtude, que permite encarar os perigos e suportar os labores de maneira firme e inabalável.

APMP: Como se prepara para atuar no júri?

Marcelo Balzer: Participar dos julgamentos era um sonho, como ainda é o da maioria dos estudantes de Direito. Porém, o Tribunal do Júri, outrora visto como uma vitrine, foi sendo renegado a um segundo plano. Vivemos em um mundo globalizado em que não se sabe mais quem são os mocinhos e quem são os bandidos. O Tribunal do Júri, hoje, não tem o mesmo atrativo de outrora.

O júri de hoje é mais técnico, portanto, me preparo sempre com o conhecimento pleno do processo, da causa, das partes, embrenhando-me nos fatos a ponto de quase me sentir como um expectador do momento exato dos fatos. Me coloco na condição do acusado e aprecio a sua versão na sua inteireza e a confronto com as provas produzidas no processo. Disseco os laudos periciais para que não paire dúvidas sobre sua interpretação. Vou até o local dos fatos para ter uma ideia das dimensões e dinâmica do delito. Faço meus apontamentos a ponto de conhecer cada linha do processo, para apresentar quando necessário ou quando for confrontado pela parte adversa. Do novelo das provas se revela o caminho para uma justa atuação.

Destaco que ninguém se obriga ao sucesso constante, como ninguém tolera o fracasso rotineiro, porém o que não pode ocorrer é um profissional do júri mal preparado ou irresponsável com a causa e com a Instituição que defende.

APMP: Existe algum julgamento que mais marcou entre esses 1000 júris?

Marcelo Balzer: Todo julgamento pelo tribunal do júri deixa sua marca, independente do resultado, bem como independentemente da repercussão que a mídia confere a causa. Mas sempre tem alguns julgamentos que se destacam: entre eles O caso da madrasta Andrea de Freitas, quem em 23 de agosto de 2005, após irritar-se com sua enteada de sete anos de idade, porque falava demais, utilizando-se de meio cruel, em virtude do grande número de golpes e de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, vez que agarrou-a pelo pescoço, derrubou-a ao solo, fazendo-a desmaiar, desferiu noventa e oito (98) golpes de arma branca (faca) em diversas partes do corpo, produzindo-lhe a morte.

Aqui que peço vênia para transcrever nossa peroração realizada durante o julgamento:

 

Um pai chega em casa e se depara com sua filha, de apenas 7 anos de idade, com uma faca cravada em seu peito. Alisa seus cabelos ajeitando-os para ver melhor seu rosto que tantas vezes beijou mirando seus olhos já não tem o brilho da vida, ao contrário refletem seus últimos momentos de pavor.

Este pai ainda consegue decifrar na boquinha entreaberta de sua filha, que seus lábios haviam lhe chamado:

                   PAPAI!  SOCORRO! ME AJUDA! PAI!

É levado por extinto a retirar o instrumento da morte daquele corpo, que momentos antes era um templo de vida, pois o cadáver exposto daquela forma lhe machucava ainda mais, porém é advertido por Luciana para esperar a autoridade policial.

Mesmo anestesiado emocionalmente com a cena, verifica os vestígios do sofrimento que a sua filha sofrera: sua roupinha rasgada, sua fronte queimada e seu corpo cheio de hematomas, marcas da brutalidade de um monstro. Disso não se pode duvidar, pois suas mãos e braços revelavam que tentou afastar-se das agressões.

Na parede do quarto, um crucifixo pendido, com certeza este pai olhou e perguntou o porquê daquilo, o que fizera para merecer tanta dor. Deus, como podia ter acontecido aquilo? Perguntava a todo instante, e o silencio reinava naquela sala. E como se o Cristo lhe ajudasse, vomitou um soluço abafado que lhe esmagava a alma. Seu grito ecoou naquele lugar, enquanto chorava, segurando as mãozinhas de sua filha. Suas lágrimas misturavam aos seus cabelos e rosto. Tentaram tirar-lhe dali, mas não queria deixá-la sozinha, desejava que fosse um sonho, perguntava a ANDRÉ e ANDRÉIA se tudo aquilo era real.

Aguardou as providências periciais e depois ainda teve que limpar o sangue de sua filha espalhado naquilo que tinha sido um lar.

Ao chegar à delegacia seus olhos se estagnaram, incrédulos diante da notícia de que o “monstro” que a matou era àquela em que ele depositava todo seu amor, nascendo então dentro de sua alma um verdadeiro conflito entre a razão e a emoção.

Os sintomas de depressão, revolta, impotência, sensação de fracasso, negação, raiva, culpa, angústia: A morte de um filho é pior do que um câncer. A morte de um filho não tem cura, não tem tratamento, não dá pra amenizar a dor. A morte de um filho faz sangrar o coração até o fim, e o fim não chega nunca, cada noite é pior que a anterior. A morte de um filho é pior que a própria morte, muito pior, porque faz a gente morrer um pouco todos os dias. A morte de um filho enlouquece de dor sem tirar a sanidade.

 

A dor de ver um filho morto é algo que não se compara ou se mede com a balança da Justiça. A morte de um filho... Só se compara à morte de um filho.

 

APMP: Quais recomendações daria ao Promotor de Justiça que está iniciando nos Tribunais do Júri?

Marcelo Balzer: O tribunal do Júri não é uma aventura a que se atrevam os que se distinguem somente pela audácia e sede de fama, é tarefa destinada aos mais aptos, aos mais preparados e conscientes, que tenham as qualidades mínimas necessárias à magnitude da empresa, e que não ponham em risco a liberdade do réu, tão somente para a satisfação de vaidades mal disfarçadas.

Promotores com vocação para o Tribunal do Júri estão rareando e, com eles, os talentos foram estão se perdendo, porque enquanto estudantes não receberam os incentivos necessários para gostarem ao menos do Tribunal do Júri e, segundo, porque com todas as atribuições que a CF/88 conferiu ao Ministério Público, sobra pouco tempo e os trabalhos preparatórios e o próprio julgamento absorvem, consideravelmente, parte do tempo destes promotores.

É perfeitamente inteligível esse comportamento, mas o crime de homicídio continuou e continua existindo, e só há uma forma de vencer o inimigo invencível: o Tribunal do Júri.

Sabemos que muitos colegas têm medo ou não gostam do tribunal do júri. Para os que têm medo, digo apenas que é necessário vencê-lo para buscar a paz social através do júri, exercendo a nossa mais preciosa função como órgão de acusação e defesa da sociedade. Para os que não gostam, espero que não vejam o júri como um inimigo. Critique-se sua competência (nos amplos sentidos), estrutura, funcionamento, resultados práticos, etc. Porém, ninguém dirá que um sábio julga melhor que o leigo, o seu vizinho (Magarino Torres, Juiz Presidente do Tribunal do Júri do Rio de Janeiro).

Quem não tem apreço pelo júri, ao menos deve senti-lo, alcançando-lhe uma reverência formal e sábia, pela sua história, seus vultos, pelas suas vozes.

APMP: Lembra como foi o seu primeiro júri? Conte-nos sobre.

Marcelo Balzer: Sim, como se fosse hoje. Encontrava-me lotado como promotor substituto na 55ª seção judiciária com sede na Comarca de Loanda, e a colega titular da Comarca de Nova Londrina, Dra. Révia Aparecida Peixoto de Paula Luna, estava com um júri designado para o dia 16/08/95, de uma tentativa de homicídio, cuja vítima teria levado um golpe de machado na cabeça. Durante o julgamento em plenário, a vítima compareceu e disse que tudo não havia passado de um acidente, relatando que o machado soltou-se do cabo e atingiu sua cabeça, razão pela qual, pedi a absolvição do acusado.

APMP: Quando ingressou no Ministério Público, esperava atuar no Tribunal do Júri?

 Marcelo Balzer: Sonhar mais um sonho impossível. Sim, sempre sonhei em ser promotor do júri, escolhi a carreira do Ministério Público por causa do júri, inspirado nos meus antecessores, que engrandeceram a nossa instituição e elevaram o nome do Ministério Público do Paraná.

Após 21 anos, chego a “maioridade” desta extraordinária carreira de promotor de Justiça, quase a maioria desses anos dedicados à instituição do Tribunal do Júri. Nessa sucessão de fatos da carreira, simultaneamente, a sucessão dos fatos da vida: a formação da família, os filhos.

Nessa viagem que as nossas lembranças fazem nas névoas do tempo, também tomaram forma as imagens das cidades diversas que passamos, em nossas andanças próprias da carreira, as permanências mais curtas em algumas delas, mais duradouras em outras; os amigos que nunca mais reencontramos; a curiosidade das pequenas comunidades em torno de nossas vidas.

Os dramas humanos num desfilar diário e contínuo, os acusados e suas amarguras; todos e cada um com suas histórias e circunstâncias pessoais, invariavelmente dolorosas, as vítimas e seus familiares, cuja dor nunca foi inteiramente sanada e os embates do júri. São páginas que o tempo se encarregou de escrever, formando o mosaico de minha existência. São lembranças que o vento não levou. Com o envelhecimento da folha da juventude, com os ferimentos adquiridos na luta e com o cansaço da jornada, essa vocação, essa força que nos alerta, costuma se esconder, ceder ao comodismo. “Quantas guerras terei que vencer por um pouco de paz”.

Mas como disse meu amigo e procurador de Justiça Dr. Mário Schimrmer que: “Ser promotor de Justiça é sonhar, é ser eternamente aquele garoto que quer mudar o mundo, é ter a estranha mania de ter fé na vida, acreditando que ela deveria ser bem melhor e será. (…) É ser um lutador que ninguém pode calar. Enfim, é ter coragem e desprendimento para cumprir as funções constitucionais, por mais que o caminho seja de pedra.”.

 

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