OPINIÃO - LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: UMA SOBREVIVENTE AMEAÇADA

Leia a crônica do associado Mário Sérgio de Albuquerque Schirmer
5 de agosto de 2021 > Acompanhamento Legislativo, Gerais

LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: UMA SOBREVIVENTE AMEAÇADA

Nasci com a missão de proteger a sociedade de um mal que corrói a nação, a improbidade administrativa. Deveria recuperar recursos públicos desviados, punir o enriquecimento ilícito, as lesões ao erário e as ofensas aos princípios da Administração Pública. Meu nascimento não teve pompa, tampouco comemoração, poucos perceberam. Sou fruto de um acaso. Achavam que eu, como dizem, “não pegaria” – no meu País tem disso –, seria ineficiente como minhas irmãs mais velhas, as Leis Pitombo Godoy-Ilha e Bilac Pinto, que passaram a vida sem uso, esquecidas. Quando bebê permaneci anônima. Contudo, para surpresa de muitos, no cumprimento da minha missão disputei vários combates e tive resultados significativos. Desafiei muitos poderosos. Por isso, as reações não tardaram. Nestes 29 anos superei várias tentativas de eliminação ou mutilação. Neste momento, estou ameaçada de inutilidade. O ataque chama-se PL 10.887-A/2018. O primeiro golpe foi desferido no corner de um dos meus pais. Agora estou no corner do outro. Pedindo ajuda, vim contar um pouco da minha história. Tenho esperança que, reconhecendo meu passado, a sociedade me defenda, para que possa continuar a protegê-la.

Primeiro, tentaram anular o meu nascimento. Alegaram que os meus pais não haviam respeitado os procedimentos para que eu fosse registrada, portanto não poderia sequer subir aos ringues. Resisti bem a esse ataque, não sofri um arranhão. Quando tinha quatro anos, disseram que eu estava lutando muito, que estava “banalizada”. Entretanto, como sabia que para cumprir a minha missão deveria combater muito mais, prossegui. Em seguida, quiseram que as minhas lutas fossem escondidas, o público não poderia saber. Dispararam um direto conhecido como PEC. Isso aconteceu na reforma das arenas em que batalho. Pretendiam amordaçar meus preparadores e, inclusive, os árbitros dos combates. Resisti, saí fortalecida. Fiquei conhecida, respeitada, até temida, e começava a ser notícia. Contudo, os ataques continuaram. No ano seguinte, recebi um cruzado, intitulado PL 2.961/1997, mais rápido que a PEC. Novamente buscavam silenciar os meus preparadores e impedir que me levassem às disputas. Ameaçaram até puni-los. Também desejavam alterar a arena quando os adversários fossem das categorias superiores: segundo argumentavam, estes só poderiam combater em grandes arenas, com vários árbitros. Isso dificultaria a minha missão, pois não teria muitas oportunidades para desafiar os poderosos. Consegui suportar mais esse ataque, ainda esta incólume.

No final do século, entre o natal e o ano-novo, naquele período em que público não está atento, fui surpreendida. Para conter o meu esforço, alegaram relevância e urgência, e desferiram um uppercut, chamado MP 2.088/2000. Na verdade, esse golpe foi abaixo da linha da cintura. As ameaças aos meus preparadores eram enormes. Caso me levassem às lutas, poderiam sofrer um contra-ataque pessoal, eles próprios teriam de subir ao ringue e ficar expostos aos golpes. Além disso, poderiam ser multados e punidos. Resisti. Porém, não saí ilesa. Sofri um ferimento que até hoje dificulta meus movimentos. A partir de então, antes do combate principal, para me qualificar, teria que disputar uma luta preliminar conhecida como juízo de prelibação. Fiquei mais lenta. 

Lá pelos meus dez anos, era bem conhecida, considerada forte. Objetivando diminuir o meu alcance, reclamaram. Disseram que eu não poderia lutar contra adversários de maior categoria. Acertaram-me com um gancho, numerado como 2.138. Caso não reagisse, só poderia combater adversários das categorias menores. A decisão sobre tais limitações, começou na mais importante de todas as arenas. O primeiro round foi equilibrado, não houve nocaute, mas perdi por pontos: 6 a 5. Noutros rounds, venci, e mantive a possibilidade de enfrentar os pesos-pesados. Diante da minha resistência, a questão das arenas voltou à pauta. Vieram com outro cruzado do tipo PL. No primeiro momento fui atingida, os ringues especiais foram previstos na Lei 10.628/2002. Mas levantei. Queria lutar em todas as arenas do País. Os mais diversos árbitros reconheceram a invalidade do golpe. A questão foi parar na maior das arenas. Para permanecer em pé usei um direto chamado ADI 2.797. Triunfei. A Lei 10.628/2002 foi anulada. Continuei com a possibilidade de lutar contra poderosos em todos os cantos do País. Foram muitas as tentativas para me aniquilar ou reduzir. Vou contar só mais algumas. Numa delas usaram o direto conhecido como PEC. Desta vez, o 37. Pretendiam dificultar que os preparadores reunissem o material para as minhas lutas. Nesta ocasião, tive grande apoio, muitos vieram em socorro, as ruas estavam cheias. A PEC 37 foi nocauteada. Todavia, não desistiram, ansiavam por me enfraquecer. Usaram o cruzado PL 126/2015, parecido com o PL 265/2007. Tive êxito na esquiva, não conseguiram atingir o objetivo.

Contudo, as coisas começaram a mudar. Passei a sofrer reveses. Para reduzir a minha eficiência, vieram com outro cruzado, e atingiram o alvo. Com a Lei 13.655/2018, alteraram as normas de introdução. Ficou mais difícil lutar. Para ter validade, meus golpes precisam ser muito certeiros, exatos. Assimilei o golpe e segui firme. Na sequência, alguns simpatizantes quiseram que ficasse mais forte. Foi um erro. Na madrugada sofri um rápido contra-ataque, de surpresa, fui atingida por cruzado. Não foi possível resistir. Disseram que havia abusos e aprovaram a Lei 13.869/2019, com ameaças aos meus preparadores, e até aos árbitros das disputas.

Como ainda resisto, estou sob um terrível ataque, levei o cruzado mais forte de todos, o PL 10.887-A/2018. No início, disseram que eu precisava ser modernizada. Os trâmites estavam sendo conduzidos de maneira suave, discutida, até chamaram especialistas para orientar os aperfeiçoamentos. Alguns dos meus adeptos estavam otimistas, comentavam que os experts eram qualificados. Porém, os consultores foram ignorados, suas propostas foram substituídas por medidas que podem levar à minha ineficácia, se perder essa batalha ficarei frágil. Fui derrubada pela primeira vez no corner de um dos meus pais, foi muito rápido, não houve chance para defesa. Agora estou no corner do outro genitor. As lutas sempre foram difíceis, mas esta é muito desigual. Posso pagar um preço alto por desafiar poderosos. Caso caia novamente serei inútil. Não será permitido que os preparadores tenham cuidado com o meu material, terão que entregá-lo apressadamente, sob pena de não ter luta. Os trâmites para início do combate se tornarão difíceis de superar. As precauções necessárias para assegurar as vitórias serão obstaculizadas, haverá risco de “ganhar e não levar”. Na hipótese da luta iniciar, deve ser célere, sob pena de terminar sem conclusão. Será muito difícil encaixar meus golpes, eles só valerão se forem extremamente precisos, se ficar comprovado que o adversário tinha vontade de apanhar naquele lugar exato. Caso consiga acertá-lo no ponto certo, o potencial dos meus golpes será muito reduzido, quase inofensivo. E, se mesmo assim for vitoriosa, existirão muitos motivos para anular o combate. Mas, se perder terei de pagar indenização. Caso não resista ao PL 10.887-A/2018, não terei como executar a missão para qual fui criada. Fraca e com dificuldades de subir aos ringues, serei abandonada, ficarei esquecida como muitas das minhas colegas.

Posso ter errado golpes, é possível que, sem intenção, alguma vez, tenha desferido um golpe abaixo da linha da cintura. Mas a grande maioria foram lícitos e necessários. Se perdi algumas lutas, venci tantas outras. Minha carreira é positiva. Recuperei muito do que foi tirado do meu País, puni ímprobos e impedi outras agressões ao patrimônio público. Sem a possibilidade de subir aos ringues em condições mínimas de luta, não conseguirei continuar a minha missão, será muito difícil recuperar recursos públicos desviados e punir aqueles que se enriquecem ilicitamente, causam prejuízo ao erário e atentam contra os princípios da Administração Pública. Suplico que venham em minha defesa, que se manifestem, exaltem as minhas qualidades, gritem contra a minha aposentadoria compulsória e precoce.

Mário Sérgio de Albuquerque Schirmer
Procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná

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